Manuais do Ministério da Saúde, da Anvisa e de comissões de controle de infecção reforçam que a limpeza inadequada está entre as principais causas de falha em processos de esterilização.
Neste artigo, vamos organizar a visão prática da limpeza de materiais antes da esterilização, com base em normas brasileiras e manuais de referência:
- o que é processamento de produtos para saúde (PPS);
- por que a limpeza é etapa crítica;
- etapas da limpeza (da pré-limpeza à secagem);
- produtos, insumos e equipamentos envolvidos;
- erros comuns que comprometem a esterilização;
- como a Utilidades Clínicas pode apoiar a rotina da Central de Material e Esterilização (CME) e dos consultórios.
Processamento de produtos para saúde: onde entra a limpeza?
A RDC Anvisa nº 15/2012 define o processamento de produtos para saúde como o conjunto de ações relacionadas à pré-limpeza, limpeza, desinfecção, esterilização, acondicionamento, armazenamento e distribuição desses produtos, de forma a garantir reutilização segura ou descarte apropriado.
Manuais de processamento de PPS detalham que, de maneira geral, o fluxo inclui:
- Pré-limpeza à beira do leito ou no ponto de uso
- Transporte seguro para a área de limpeza/CME
- Limpeza propriamente dita (manual, mecânica ou combinada)
- Enxágue com água de qualidade adequada
- Secagem completa
- Inspeção, montagem, lubrificação (quando indicada)
- Empacotamento
- Esterilização ou desinfecção de alto nível
- Armazenamento e distribuição
Sem uma limpeza adequada, passos posteriores podem falhar, mesmo que o ciclo da autoclave esteja tecnicamente correto.
Por que a limpeza vem antes da esterilização?
Documentos da Anvisa e do Ministério da Saúde são bastante enfáticos:
- matéria orgânica residual protege microrganismos do agente esterilizante;
- resíduos de detergente, óleos ou sujidade podem impedir a penetração do vapor ou do agente químico;
- fissuras, articulações e lúmens de instrumentais cirúrgicos são áreas críticas para acúmulo de sujidade, exigindo técnica específica.
Estudos e manuais de biossegurança destacam que a limpeza:
- reduz a carga microbiana,
- remove biofilme em formação,
- diminui o risco ocupacional na manipulação do material sujo.
Ou seja: sem limpeza bem feita, não há esterilização eficaz nem segurança do paciente.
Pré-limpeza: começa no ponto de uso
A RDC 15 prevê que produtos para saúde encaminhados a empresas processadoras ou CME passem por pré-limpeza no serviço de saúde, logo após o uso.
Na prática, isso significa:
- remover o excesso de matéria orgânica (sangue, secreções, cimento) imediatamente após o procedimento;
- manter o instrumental úmido, evitando ressecamento de sujidade (que adere e é mais difícil de remover);
- utilizar soluções ou espumas de pré-limpeza enzimática, quando indicadas, antes do transporte até a área de limpeza.
Manuais de processamento destacam que permitir que sangue e resíduos sequem sobre a superfície do instrumental aumenta o tempo de limpeza, o risco de dano ao produto e a chance de falha na esterilização.
Segurança da equipe: EPIs e fluxos físicos
Antes de falar de detergente, escova e cuba ultrassônica, é preciso falar de biossegurança.
Manuais de biossegurança, como o da Fiocruz e de hospitais universitários, reforçam que a área de limpeza de materiais envolve exposição a sangue, fluidos, perfurocortantes e aerossóis, exigindo:
- EPIs completos: luvas de borracha de cano longo para limpeza pesada, avental impermeável, máscara de proteção respiratória (pelo menos cirúrgica, conforme risco de aerossóis), óculos ou protetor facial e, quando indicado, gorro;
- fluxo físico sujo → limpo, com setores e bancadas separadas para evitar recontaminação;
- pias e bancadas adequadas, com pontos de água, drenagem e espaço para secagem.
Na Utilidades Clínicas, a linha de Proteção Profissional & EPI reúne luvas, aventais, máscaras e outros equipamentos de proteção essenciais para a segurança da equipe de limpeza e da CME.
Detergentes e produtos para limpeza de materiais
Detergentes enzimáticos e neutros
Manuais de processamento de PPS orientam o uso de detergentes enzimáticos (com proteases e, em alguns casos, lipases e amilases) para limpeza de instrumentais com carga orgânica importante, e de detergentes neutros para materiais e superfícies sensíveis, sempre respeitando instruções do fabricante.
Pontos-chave:
- seguir diluição, temperatura e tempo de contato recomendados;
- não misturar detergentes diferentes na mesma cuba;
- descartar a solução de limpeza na frequência orientada (não “reaproveitar” ao longo de muitos ciclos).
Na Utilidades Clínicas, a categoria Detergentes Enzimáticos para Limpeza Geral reúne opções específicas para instrumentais, bem como detergentes neutros, sabonetes glicerinados e outros saneantes com registro na Anvisa.
Escovas, esponjas e acessórios
Instrumentos com lúmens, serrilhados, articulações e perfurações requerem escovas adequadas para garantir fricção mecânica eficaz. Manuais de normas e rotinas de processamento recomendam:
- escovas de cerdas compatíveis com o material (evitar dano à superfície);
- tamanhos específicos para lúmens (ex.: cânulas, aspirações, pinças de biópsia);
- esponjas e panos exclusivos da área de limpeza, de uso individualizado por pia/setor.
Na UC, há uma linha específica de escovas para limpeza de instrumentais e outros acessórios ligados à categoria de Esterilização, que se integram à rotina da CME.
Limpeza mecânica: cuba ultrassônica e lavadoras
Sempre que possível, e conforme a realidade do serviço, recomenda-se associar à limpeza manual métodos mecânicos, como cuba ultrassônica e lavadoras termodesinfectadoras.
- A cuba ultrassônica utiliza ondas que geram cavitação, ajudando a remover sujidades em áreas de difícil acesso, sobretudo em instrumentais delicados.
- Lavadoras específicas para instrumentais associam detergente, tempo, temperatura e ação mecânica padronizada, reduzindo variabilidade humana.
Passo a passo da limpeza antes da esterilização
Com base em manuais de processamento, POPs municipais e documentos da Anvisa, podemos resumir o passo a passo da limpeza em CME/consultórios da seguinte forma:
1. Recepção e triagem
- Conferir identificação e integridade dos materiais;
- separar por tipo de processamento (críticos, semicríticos) e compatibilidade de limpeza;
- descartar adequadamente perfurocortantes de uso único, seguindo normas de resíduos de serviços de saúde.
2. Limpeza manual (quando aplicável)
- Imersão do material em solução detergente (enzimática ou neutra), na concentração e tempo recomendados.
- Fricção vigorosa com escovas adequadas, respeitando:
- articulações abertas,
- dentes, serrilhas,
- lúmens irrigados com seringa ou escova específica.
- Manter o material submerso durante a escovação sempre que possível, para reduzir aerossóis.
3. Limpeza mecânica (quando disponível)
- Após a limpeza manual inicial, o material pode ser submetido à cuba ultrassônica, com solução detergente compatível.
- Seguir tempo e parâmetros do fabricante da cuba e do detergente;
- Ao final, enxaguar conforme rotina institucional.
4. Enxágue
A qualidade da água é um ponto sensível da RDC 15. Para limpeza de materiais, a resolução traz requisitos para a água utilizada na CME, incluindo monitoramento de dureza, cloro, presença de partículas e outros parâmetros que possam interferir no processo.
- Enxaguar abundantemente para remover detergente e sujidade residual;
- Priorizar água potável tratada e, em alguns serviços, água de melhor qualidade em etapas finais, conforme definição local.
5. Secagem
Materiais úmidos favorecem corrosão, formação de manchas e diluição do agente esterilizante. POPs e manuais recomendam:
- uso de panos ou compressas limpas e sem fiapos, exclusivos da CME,
- ar comprimido filtrado e seco para lúmens, quando disponível;
- nunca enviar materiais úmidos para autoclave ou embalamento.
6. Inspeção e preparo para embalagem
Etapa crítica, muitas vezes negligenciada:
- verificar limpeza visível (sem manchas, incrustações ou resíduos);
- checar integridade funcional (articulação, fechamento, alinhamento);
- separar materiais que precisam de reparo ou descarte;
- montar conjuntos de acordo com a rotina e anexar indicadores químicos adequados no empacotamento, preparando o material para esterilização.
Erros comuns na limpeza que comprometem a esterilização
Manuais técnicos, RDC 15 e POPs analisados apontam alguns deslizes frequentes:
- Pular a pré-limpeza à beira do leito, deixando material secar com sangue e secreções;
- usar detergente comum/doméstico ou produtos sem registro na Anvisa para limpeza de instrumentais;
- fazer diluição “no olho”, sem medir corretamente;
- utilizar a mesma solução detergente por tempo excessivo, já saturada de sujidade;
- não friccionar áreas de difícil acesso (lúmens, serrilhas, articulações);
- enxágue insuficiente, deixando resíduos de detergente;
- secagem inadequada, embalando material ainda úmido;
- ausência de inspeção detalhada antes da embalagem.
A soma desses fatores aumenta o risco de falha da esterilização e de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS).
Conclusão: limpeza bem feita é segurança do paciente
Antes de pensar em temperatura, tempo e pressão da autoclave, a pergunta-chave é: este material foi realmente bem limpo?
Relembrando os pontos essenciais:
- a limpeza é etapa obrigatória e crítica antes da esterilização ou desinfecção;
- pré-limpeza imediata no ponto de uso evita ressecamento de matéria orgânica;
- detergentes enzimáticos/neutros, diluídos e usados corretamente, fazem diferença no resultado;
- fricção mecânica (manual e/ou mecânica) + enxágue + secagem + inspeção = pacote mínimo de qualidade;
- erros nessa etapa podem comprometer todo o esforço do ciclo de esterilização e aumentar o risco de IRAS;
- boas práticas dependem de treinamento, protocolos claros, EPIs adequados e insumos de qualidade.
Ao organizar a rotina de limpeza de materiais com apoio em normas oficiais e em fornecedores especializados, como a Utilidades Clínicas, a CME, o consultório e a clínica dão um passo concreto na direção de uma assistência mais segura, previsível e alinhada às diretrizes de segurança do paciente.
Fontes
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução RDC nº 15, de 15 de março de 2012 – Boas práticas para o processamento de produtos para saúde. Acessar em: https://www.gov.br/anvisa
- Anvisa. Segurança do paciente em serviços de saúde: limpeza e desinfecção de superfícies.
Acessar em: https://www.gov.br/anvisa
- Brasil. Ministério da Saúde. Processamento de Artigos e Superfícies em Estabelecimentos de Saúde. Brasília, 1994. Acessar em (Biblioteca Virtual em Saúde – BVS/MS): https://bvsms.saude.gov.br
- Anvisa. Boas práticas para o processamento de produtos para saúde em serviços de saúde – Tema 15.3 – Segurança do Paciente em Serviços de Saúde. Acessar em: https://www.gov.br/anvisa