Esterilizar não é “ligar a autoclave e pronto”. Por trás de cada bandeja segura existe um fluxo bem desenhado: limpeza, inspeção, secagem, embalagem correta, ciclo validado, monitorização com indicadores e armazenamento adequado.
No Brasil, a RDC nº 15/2012 da Anvisa define o processamento de produtos para saúde como o conjunto de ações de limpeza, desinfecção e esterilização, incluindo preparo, acondicionamento, esterilização, guarda e distribuição.
Este guia foi pensado para quem vive essa rotina: enfermagem, CME, estética, consultórios multiprofissionais e pequenos serviços que utilizam autoclave. Vamos percorrer, na prática, o caminho “do pacote à autoclave”.
1. Por que falar de esterilização “do pacote à autoclave”?
Esterilização é o processo que destrói todas as formas de microrganismos, incluindo esporos, reduzindo a probabilidade de sobrevida para menos de 1 em 1 milhão.
As diretrizes brasileiras reforçam que falhas em qualquer etapa do processamento (limpeza, embalagem, ciclo, secagem, armazenamento) comprometem o resultado final, mesmo que a autoclave esteja funcionando corretamente.
Por isso, pensar “do pacote à autoclave” significa:
- padronizar como o material chega à esterilização;
- garantir embalagens adequadas ao método;
- carregar a autoclave de forma segura;
- monitorar cada ciclo com indicadores;
- liberar apenas cargas que cumpriram todos os critérios.
2. Etapas do processamento: visão geral
A RDC nº 15/2012 e diversos manuais de processamento descrevem as etapas básicas do fluxo de materiais:
- Limpeza (manual e/ou automatizada): remoção de sujidade visível e boa parte da carga microbiana.
- Inspeção e teste de integridade: checagem de trincas, desgaste, funcionamento de articulações, lúmens.
- Secagem: fundamental para não diluir o vapor nem comprometer papel/embalagens.
- Preparo e embalagem: escolha de material adequado (envelope, rolo, papel crepado, wrap) e montagem do pacote.
- Esterilização: exposição ao agente esterilizante (no nosso foco, vapor saturado sob pressão em autoclave).
- Monitorização: verificação dos parâmetros físicos e uso de indicadores químicos e biológicos.
- Armazenamento e distribuição: garantir integridade da embalagem, rastreabilidade e validade.
É nesse recorte do preparo, embalagem e autoclave que vamos aprofundar.
3. Embalagem: como montar um pacote pronto para a autoclave
Não existe autoclave que compense uma embalagem mal feita. O pacote é o “escudo” que mantém o material estéril até o uso.
3.1. Critérios básicos de uma boa embalagem para esterilização
De acordo com manuais de esterilização e normas técnicas, a embalagem deve:
- permitir a penetração do agente esterilizante (vapor);
- preservar a esterilidade durante transporte, armazenamento e manuseio;
- ser compatível com o método (autoclave a vapor);
- suportar temperatura e pressão do ciclo;
- ser adequada ao peso e formato do conteúdo;
- permitir abertura asséptica no momento do uso.
3.2. Tipos de materiais de embalagem
Na prática, os serviços utilizam:
- Papel crepado ou não tecido (wrap SMS): muito usado para bandejas e caixas maiores;
- Envelopes para esterilização (papel grau cirúrgico + filme transparente): ideais para instrumentais individuais ou pequenos conjuntos.
- Rolos para esterilização: que permitem confeccionar envelopes no tamanho exato, com auxílio de seladora.
A Utilidades Clínicas disponibiliza essas opções nas categorias de Papel crepado para esterilização, Envelopes para esterilização e rolos para selagem em diferentes larguras.
3.3. Montagem do pacote: passo a passo geral
As orientações variam conforme tipo de artigo e protocolo institucional, mas de forma geral:
- Conferir limpeza e integridade do instrumental antes de embalar;
- Posicionar o material de forma que todas as superfícies fiquem expostas ao vapor (sem excesso de sobreposição ou compactação);
- Deixar espaços para circulação de vapor dentro do pacote;
- Não exceder o peso máximo da bandeja recomendado pelo protocolo/CME;
- Utilizar fita indicadora externa quando necessário (no caso de wraps/papel crepado);
- Posicionar indicadores químicos internos em pontos de maior desafio do pacote (centro da bandeja, articulações, partes mais densas);
- Identificar o pacote com data, lote/ciclo, CME/serviço e, quando aplicável, paciente ou setor destino.
Os indicadores químicos integradores Classe 5 e Classe 6 são recomendados para monitorar o atendimento simultâneo dos parâmetros críticos do ciclo (tempo, temperatura e presença de vapor), oferecendo maior segurança na liberação da carga.
4. Autoclave a vapor: como funciona e por que é padrão ouro
As principais diretrizes para serviços de saúde são consistentes ao afirmar que a autoclave de vapor saturado sob pressão é o método preferencial para artigos que entram em contato com sangue ou tecidos estéreis, sendo mais eficiente que a estufa.
4.1. Princípio de funcionamento
Na autoclave:
- o vapor saturado sob pressão entra em contato com o material;
- há remoção de ar da câmara (por gravidade ou pré-vácuo);
- tempo, temperatura e pressão são controlados;
- ao final, ocorre secagem (mais eficiente nas autoclaves com secagem ativa).
Ciclos comuns para materiais embalados em vapor:
- 121 °C por 15-30 minutos;
- 134 °C por 3-7 minutos (valores exatos seguem indicação do fabricante da autoclave e protocolo institucional).
4.2. Carregamento da autoclave
Alguns cuidados clássicos de POP de esterilização:
- Não encostar embalagens nas paredes da câmara;
- Organizar bandejas de forma a permitir circulação de vapor entre os pacotes;
- Não sobrecarregar a câmara além da capacidade indicada;
- Agrupar pacotes por tipo de carga, quando possível (têxteis, instrumentais, etc.), seguindo recomendações do fabricante.
A água utilizada deve atender a requisitos de qualidade, evitando contaminantes que prejudiquem a formação de vapor ou danifiquem a câmara e os instrumentais.
Na Utilidades Clínicas, além da categoria completa de Autoclaves, você encontra insumos específicos como água para autoclave, embalagens e indicadores.
5. Monitorização: indicadores físicos, químicos e biológicos
Esterilizar é questão de evidência.
5.1. Indicadores físicos
São aqueles visíveis no painel da autoclave:
- registros em impressora ou sistema de rastreabilidade.
Esses parâmetros mostram se o ciclo aparentemente ocorreu como programado, mas não substituem os demais indicadores.
5.2. Indicadores químicos
Os indicadores químicos mudam de cor quando expostos às condições de processo. As classes mais usadas em autoclaves são:
- Classe 1: fitas/tiras de processo (apenas indicam exposição ao processo).;
- Classes 4 e 5: multiparâmetro e integrador, reagem a dois ou mais parâmetros críticos (tempo, temperatura e vapor);
- Classe 6: integrador de ciclo específico.
Na UC, a categoria Teste Indicador para Esterilização reúne integradores químicos e outros testes para autoclave, com informações claras de classe e aplicação.
5.3. Indicadores biológicos
Os indicadores biológicos contêm esporos de microrganismos altamente resistentes ao método (como Geobacillus stearothermophilus para vapor). A ausência de crescimento após incubação indica probabilidade muito baixa de sobrevivência microbiana.
Normas e manuais recomendam o uso regular de indicadores biológicos para:
- qualificação de instalação;
- qualificação de desempenho;
- monitorização periódica dos ciclos.
6. Armazenamento, rastreabilidade e liberação da carga
Não adianta fazer tudo certo na autoclave e “perder” a esterilidade na prateleira.
6.1. Liberação da carga
Carga só deve ser liberada se:
- todos os indicadores físicos estiverem dentro do esperado;
- indicadores químicos externos e internos tiverem mudança adequada;
- não houver falha no indicador biológico (quando usado);
- embalagens estiverem íntegras, secas, sem manchas de umidade ou rompimentos.
Em caso de falha em qualquer critério, a carga deve ser reprocessada conforme protocolo.
6.2. Armazenamento e validade
Diretrizes de processamento ressaltam que o prazo de validade é relacionado à integridade da embalagem e às condições de armazenamento, não apenas à data.
Boas práticas incluem:
- armazenar os pacotes em armários limpos, longe do chão e da parede;
- evitar manipulação desnecessária;
- manter identificação legível (data, ciclo, lote);
- aplicar sistemas de rastreabilidade, quando possível (etiquetas, códigos, registro por paciente/procedimento).
Conclusão
“Esterilização na prática: do pacote à autoclave” é, no fundo, uma conversa sobre fluxo e responsabilidade compartilhada:
- quem faz a limpeza precisa entregar o material realmente limpo;
- quem embala deve saber escolher bem papel, envelope, rolo e posicionar indicadores;
- quem opera a autoclave precisa entender ciclos, carregamento, água, monitorização;
- quem libera a carga assume a segurança de quem vai usar aquele instrumental em um paciente real.
A boa notícia é que as diretrizes nacionais já trazem um roteiro claro, da RDC nº 15 ao conjunto de manuais de processamento, esterilização e biossegurança.
Quando essas referências encontram rotina bem organizada, equipe treinada e insumos corretos, o resultado é uma esterilização que sai do campo burocrático e vira, de fato, segurança do paciente e do profissional.
Fontes
- Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução RDC nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para o processamento de produtos para saúde.Biblioteca Virtual em Saúde MS+1
- Manual de Processamento de Produtos para Saúde – secretarias estaduais e municipais de saúde (DF, SP e outros).Saúde DF+2AgSUS+2
- Conselho Regional de Medicina Veterinária de SP. Manual de Esterilização. 2024.CRMV-SP